No cenário da crise geral do capitalismo, profunda e perigosa...

Os impérios do mal<br> vão atacar o Iraque

Manoel de Lencastre

Tudo indica, apesar de ocasionais desmentidos, que o grande império final cuja bandeira é a do capitalismo, atacará o Iraque em breve. Vai extorquir-lhe o petróleo que possui em abundância. Depois, tentará rever as graves questões da sua economia. Mas, com o mencionado grande império, viaja o pequeno, aquele que existiu sem que em si o Sol jamais se pusesse; hoje, uma sombra do que foi. E nós, meros observadores do desenrolar da História, ficamos perplexos ao descobrir que os aventureiros imperiais dos nossos dias dão pelos nomes de Bush e Blair. É que os nossos estudos nos esclareceram que isto de impérios tem a ver com Nelson e Wellington, e Napoleão. Bush e Blair são simples pistoleiros em nome dos barões do petróleo.

Se falam de terroristas, pretendem enganar o mundo. Toda a questão do terrorismo, incluindo a guerra com a Al-Qaeda, tem a ver com o petróleo da Arábia Saudita. Posto que os fornecimentos oriundos deste país estão colocados em questão, o grande império tem de fazer duas coisas: primeiro, bloquear-lhe os capitais depositados nos principais centros do capitalismo; segundo, não pagar a facturação em curso. Depois, torna-se necessário encontrar fornecedores alternativos. É neste esquema que entram o Iraque e o sistema de oleodutos que levará o chamado oiro negro ao mar Cáspio e ao mar Negro. No primeiro caso, o grande império propõe-se liquidar Saddam Hussein e envenenar os iraquianos com democracia; no segundo, já contaminou os governos dos países banhados pelas águas daqueles mares além de outros seus vizinhos. Escravizado o Iraque, o acerto de contas final será com o Irão e, logo a seguir, com a própria Arábia Saudita que ontem, ainda, era um dilecto aliado.


A crise americana é real


A economia dos Estados Unidos navega em águas revoltas. Há um confronto entre o capitalismo da velha escola e os piratas das finanças cujo aventureirismo criou a grave situação em que o país se encontra. Por isso, dado que os porta-bandeira do primeiro sistema decidiram que a catástrofe pode estar à porta, o actual ocupante da Casa Branca tomou medidas quase desesperadas ante o crescimento do desemprego e o abandono, em Dezembro, de duas das principais figuras do sector económico-financeiro - o Secretário de Estado da Tesouraria, Paul O´Neill, e o principal conselheiro presidencial, para os assuntos económicos, Larry Lindsey. O primeiro, figura respeitável do capitalismo da velha escola disse, há dias, que duvidava dos resultados a obter com os recentes cortes nos impostos (420 mil milhões de dólares). E arriscou: «Todo esse dinheiro seria muito melhor aplicado nos serviços da segurança social».

As finanças do governo americano abriram, segundo o correspondente de «The Daily Telegraph» em New York, o maior «buraco» de sempre. O desequilíbrio orçamental, se acreditarmos nos analistas de Wall Street (o Merrill Lynch, por exemplo) atingirá, neste ano, a monumental soma de 350 mil milhões de dólares.

Preocupante, para todos os observadores, é a rapidez a que se processa tal desequilíbrio. O custo do serviço das dívidas poderá conduzir a uma alta nas taxas de juros. Alan Greenspan, outro dos arautos do capitalismo conservador, já disse, aliás, que não contem com ele para propor novas reduções.

A nível local, a catástrofe do grande império está já à vista. Praticamente, todos os estados estão a trabalhar com largos défices orçamentais. E posto que são obrigados por lei a operar com orçamentos equilibrados, os governadores recorrem a clássicas medidas: aumentar os impostos locais e cortar, drasticamente, as despesas de todos os tipos, principalmente as de carácter social. O povo do Estado da Califórnia foi avisado pelo respectivo governador, Gray Davis, de que o «boom» económico tinha terminado e de que as dívidas estaduais ascendiam, agora, a 14 000 milhões de dólares. «O buraco é tão grande», disse Herb Wesson, «speaker» da assembleia estadual, «que, mesmo se despedíssemos todas as pessoas empregadas pelo Estado, o «déficit» desceria só para 6 000 milhões». Os orçamentos das escolas foram cortados. Alguns estabelecimentos de ensino já não dispõem de papel higiénico.


O império de ontem


Quando o advogado Tony Blair assumiu a direcção do Partido Trabalhista, o povo britânico compreendeu que a sua libertação dos governos e dos dogmas dos conservadores podia estar próxima. Por isso, nas eleições que tiveram lugar após o fim do mandato de John Major, votou em massa na proposta do «New Labour» e Tony Blair foi feito primeiro-ministro. Mas, logo um português que vivia na Grã Bretanha e conhecia o ambiente, enviou um fax ao «Morning Star», jornal heróico do Partido Comunista Britânico, alertando:

«Olhem que ele é um ‘tory’ disfarçado». Os acontecimentos, infelizmente, provaram que esse português sabia o que dizia. Na verdade, Tony Blair acabaria por trair todas as promessas feitas e, hoje, já no seu segundo mandato, é um primeiro-ministro defensivo, desconfiado do seu próprio povo, um indesmentido funcionário dos interesses do imperialismo. Criando um vazio estranho entre a sua prestação de primeiro-ministro e as aspirações do povo britânico, deixou este entregue a si próprio e é por isso que a Inglaterra se desliga, gradualmente, do debate político e se dispõe, cativa, a viver o tempo do futebol.

Há anos, quando a guerra do Golfo se iniciou, uma gentil trabalhadora na banca de jornais da estação de metro de Hainault, desabafou connosco: «Os nossos rapazes já lá estão. Que Deus os acompanhe!». Agora, já o porta-aviões «Ark Royal» e o porta helicópteros «Ocean» navegam, uma vez mais, para o Golfo. E, preparados para a ocupação do Iraque, lá se encontram os «Dragoon Guards» da Rainha, os «Royal Marines», a Terceira Brigada de Comandos, regimentos de tanques enviados de todos os cantos da Grã-Bretanha, pára-quedistas da brigada de assalto aéreo. As tropas encontram-se centralizadas na base de Ali al-Salim, no Kuwait onde se depositaram, também, os aviões de ataque «Tornado» e as respectivas tripulações.

Mas já não é o mesmo império. Falta-lhe o romantismo do tempo do «British Raj», na Índia. Falta-lhe o impulso da abertura ao continente africano e do domínio das terras de minério que iam do Cabo ao Cairo. Já não possui o Egipto e o controlo do Mar Vermelho. Falta-lhe a Birmânia e Singapura. Sente que a Austrália e a Nova-Zelândia se distanciaram. O Canadá americanizou-se. A presença no Médio Oriente dissipou-se, praticamente, não sendo Aden, a Jordânia e o Iraque aquilo que foram entre as possessões da Coroa britânica.

Mesmo assim, dado que os interesses da «B.P.» e da «Shell» não podem ser menosprezados, o império reergue-se, agora, na estranha esperança de reviver os tempos do passado. Trata-se de um pequeno império, em termos territoriais. Mas os seus tentáculos financeiros são importantes. O povo britânico cuja opinião sobre o ataque ao Iraque é profundamente negativa, pretende fechar os olhos a mais esta aventura dos seus «boys» em terra estranha. Mas na Câmara dos Comuns, alguns deputados trabalhistas usam a arma da verdade.


Palavra de sete letras para Blair


Disse Tam Dalyell, eleito por Linlithgow (Escócia): «Muitos, muitos dos que me elegeram não conseguem compreender o porquê da saída do Ark Royal, o porquê do embarque das nossas tropas para o Golfo. Como é possível que o primeiro-ministro, Tony Blair, convoque espectaculares conferências de imprensa para dar conta dos preparativos para a guerra enquanto se esconde do seu próprio partido e da Câmara dos Comuns?» Por sua vez, Glenda Jackson, deputada pelo círculo londrino de Hampstead & Highgate, perguntou: «Quando será possível à Câmara dos Comuns ouvir o primeiro-ministro sobre o momentoso assunto da guerra?». Também Paul Flynn, membro da Câmara por Newport West, pôs a seguinte questão: «Se a possibilidade de entrarmos em guerra colocando em risco as vidas dos nossos jovens soldados e aumentando o risco de ataques terroristas no nosso país não é importante para trazer o primeiro-ministro aos Comuns, então que assunto poderá trazê-lo aqui?»

Tony Blair anda com medo do seu próprio partido. Os trabalhistas, tanto os deputados como o povo que os elegeu, não têm a mínima simpatia por esta tentativa de regresso aos tempos do velho império. A inquietação ganha o país. Mas o advogado Blair não é, nunca foi, um verdadeiro trabalhista. O seu estilo é o de serventuário do imperialismo. É por isso que a Grã-Bretanha o não compreende. Mas ele conhece bem os interesses que defende. Numa situação em que lhe foi recordada a posição do antigo primeiro-ministro, Harold Wilson, que recusou sempre a participação de forças britânicas na guerra do Vietname, Blair, por fim, fez o favor de comparecer nos Comuns para explicar que tudo se insere na luta contra o terrorismo. E conseguiu desviar os protestos dos parlamentares trabalhistas porque toda a gente sabe que por cada voto da respectiva bancada contra a guerra, Blair conta com a respectiva compensação na bancada dos conservadores. Tem sete letras a palavra que o define.


No jogo do petróleo


No sector do petróleo, a crise afirma-se de maneira dramática. O imperialismo «aperta» na Venezuela, notam-se desequilíbrios no Irão, analistas anunciam que o preço do «crude» poderá tocar os 40 dólares por barril dentro de poucas semanas. É nesta perspectiva que os barões da «oil industry» a que George W.Bush pertence, se perfilam para «arrancar» o petróleo ao Iraque a 10 dólares, somente. E, para tal, não querem perder tempo. As refinarias americanas anunciam rápidas diminuições de «stocks». O preço do «crude» negociado pela West Texas Intermediate no mercado Nymex, subiu, há uma semana, para 31,77 dólares. Quase todas as refinarias em causa se mostram extremamente activas nos mercados de importação de petróleo. Alguns políticos americanos têm insistido com a Administração para que se libertem «stocks» das reservas estratégicas. Mas esse, como se sabe, não é o caminho que o presidente deseja trilhar. A reserva estratégica foi criada pelo presidente Ford durante a crise dos anos 70, estando as respectivas quantidades de «crude» armazenadas em cavernas nos Estados do Texas e da Louisiana. O seu nível actual é de 599 milhões de barris, o mais elevado dos últimos 25 anos. Porquê, então, a guerra pelo petróleo dos outros? Porquê a guerra ao mundo?

Por seu turno, a Rússia ultrapassou a Arábia Saudita na posição de primeiro produtor mundial. Os analistas do negócio estimam que a produção diária russa poderá, rapidamente, crescer para 9 milhões de barris por dia (Arábia Saudita: 7,8 milhões). Nesta conjuntura, as companhias russas, TNK e Yukos, estão a exportar cada vez mais para as refinarias dos Estados Unidos que, diz-se, procuram fugir à dependência dos mercados do Médio Oriente. A situação, porém, não é tão líquida como parece. Neli Sharushkina, especialista da Energy Intelligence Group, de Moscovo, disse: «É muito mais caro produzir petróleo na Rússia do que na Arábia Saudita. Neste país, os custos de extracção computam-se entre 75 cêntimos e 2 dólares por barril. Mas na Rússia, onde as despesas de transporte são muito mais altas, tais custos podem ir até 6 dólares por barril. Continua a fazer sentido, portanto, propor a «democracia» no Iraque para embarcar o petróleo sem custos, praticamente.


Há medo no Japão


A situação geral que está a pôr em perigo a paz mundial poderá ter fatais consequências para a economia nipónica, totalmente dependente de importações de petróleo. Nestas condições, o primeiro-ministro, Junichiro Koizumi, tem-se afirmado ao lado dos Estados Unidos. Mas as exigências de Washington quanto a medidas de reforma das estruturas da economia japonesa parecem exageradas e não estão a ser pacificamente aceites. A Casa Branca insiste em que o Estado nipónico deveria comprar os bancos falidos e limpá-los dos respectivos passivos. Depois, oferecê-los-ia, de novo, aos mesmos banqueiros e em favoráveis condições de crédito para que estes reiniciassem o trabalho. Alternativamente, os negócios bancários no mercado japonês poderiam passar para o domínio de bancos americanos. O governador do distrito de Tóquio anunciou que, se o governo não tomasse medidas, transferiria os depósitos regionais do banco nipónico, Mizuho Holdings, para o Citybank, o principal banco americano.

A maioria dos japoneses teme, profundamente, a adopção de medidas radicais que tirem estabilidade à vida económica do país. Por isso, não desejam ver as medidas propostas pelos americanos adoptadas pelo governo. O presidente da «Agência de Serviços Financeiros», Heizo Takenaka, é conhecido como defensor dos interesses dos investidores e radical proponente da falência dos Bancos, o que resultaria no desemprego de muitos milhares de funcionários. É contra este radicalismo que a opinião pública se afirma, ninguém desejando o aprofundamento da depressão em que o país vive como resultado de medidas fiscais e monetárias menos prudentes.

As dívidas aos Bancos (crédito mal parado) paralisaram a actividade normal da indústria bancária, tornaram a obtenção de empréstimos quase impossível e fizeram cair o Japão numa estagnação que se reflecte em todos os aspectos da vida do país. Entretanto, Takeshi Kimura, um adjunto de Takenaka, continua a gritar alto e bom som: «Muitos dos nossos Bancos têm de ser declarados falidos e outros nacionalizados para que o problema das dívidas incobráveis seja resolvido». Mas a sociedade nipónica está paralisada pelo medo de que o capitalismo, o sistema em que apostou desde o fim da 2.ª Guerra Mundial, conheça, ele próprio, a estrada da falência.



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